Por: Shirleyde Santos
Vocês que podam e que fodem e que ferram
Quem represente pela frente uma barreira
Seja o posseiro, o seringueiro ou o sem-terra
O extrativista, o ambientalista ou a freiraReis do agronegócio (Carlos Renó/Chico Cesar)
Zé Maria do Tomé: filho, pai, agricultor, ativista ambiental da Chapada do Apodi, em Limoeiro do Norte/CE. Zé Maria do Tomé fez denúncias sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde das comunidades que vivem na Chapada. Zé Maria do Tomé foi assassinado, em 21 de abril de 2010, com 25 tiros à queima-roupa.
A luta contra os agrotóxicos devia ser de todas as pessoas que, minimamente, se importam com a vida. Mas uma pergunta que fica no ar é: quem se importa? Vivemos num mundo cada vez mais egocêntrico. Lutas coletivas são cada vez mais individuais. Sim! Algumas poucas pessoas dão a vida por causas coletivas. E dão a vida no sentido literal. Porque a perdem. Como Zé Maria do Tomé perdeu a sua.
Cada vez que participo de alguma ação mais efetiva na militância contra os agrotóxicos e pela vida, penso em quem já foi ameaçado ou já perdeu a vida. Penso que a luta dessas pessoas não pode ter sido em vão. E que cada um, cada uma, precisa estar presente em nossa fala, em nossa escrita e na forma como apresentamos essas questões para o mundo.
Penso também nas pessoas que já conheci e que foram impactadas diretamente pelo uso de agrotóxicos, que adoeceram e vivem com as sequelas da exposição prolongada a esses venenos. Não conheci Zé Maria do Tomé, mas sei que ele viveu isso na família e na comunidade: sua filha teve sérios problemas de pele, animais morreram, várias pessoas adoeceram, a água da comunidade foi contaminada pela pulverização aérea.
Lembro da abertura do VII Congresso Brasileiro de Agroecologia, em dezembro de 2011, em Fortaleza/CE. Da emocionante homenagem a Zé Maria do Tomé. Do coro que gritava seu nome. Da fala da pesquisadora Raquel Rigotto, do Núcleo Tramas. Da fala de Leonardo Boff. Do tema do Congresso: “Ética na Ciência: Agroecologia como paradigma para o desenvolvimento rural”. Foi a primeira vez que ouvi falar em Zé Maria do Tomé. E ele já estava morto!
Na Chapada do Apodi as pessoas tomavam banho de veneno. Reginaldo Ferreira (historiador e ativista do Movimento 21) relata, em entrevista para o Brasil de Fato, que os trabalhadores chegavam na Chapada e, muitas vezes, coincidia do avião passar e banhar todo mundo de veneno. Isso também acontecia na comunidade. Até as roupas, nos varais, ficavam encharcadas de veneno. “Nunca houve um calendário de aviso para as comunidades que margeiam as fazendas em relação ao dia e horário da pulverização, e isso acabava desrespeitando todos os moradores, eles modificaram totalmente o nosso território”.
Zé Maria conseguiu, em 2009, mobilizar sua comunidade e os movimentos sociais. Essa articulação levou à aprovação da primeira lei contra a pulverização aérea de agrotóxicos, no município de Limoeiro do Norte. Seis meses após a aprovação e sanção da lei, Zé Maria do Tomé foi morto. E a lei foi revogada. Seu sangue se misturou com o vermelho do solo que ele tanto defendeu e fez brotar o Movimento 21 de abril, unindo vozes diversas numa jornada de lutas por seu território. Nenhuma vida pode ser em vão! Nenhuma morte pode calar o que foi gritado em vida!
Em 2019, entrou em vigor a Lei Zé Maria do Tomé que proíbe a pulverização aérea de agrotóxicos em todo o estado do Ceará. O que era uma Lei Municipal, se tornou Lei Estadual e pode se tornar Nacional. Mas essa lei está ameaçada lá no Ceará por quem tem interesse em manter esse modelo produtivo, por quem lucra enquanto outros adoecem e morrem. Assim como o direito à alimentação, à saúde, à vida digna está ameaçado em nosso país pelo Pacote do Veneno.
“É preciso reverberar o grito de alerta que nos provoca a caminhar para outro modo de produção, outro modo de vida, consolidar direitos e conquistar territórios saudáveis, com democracia e agroecologia. Contra os agrotóxicos, por comida, saúde e justiça social!” (Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida).
Para conhecer mais:
www.contraosagrotoxicos.com.br
Campanha Contra os Agrotóxicos
Saiba como se mobilizar contra o PL do Veneno: https://contraosagrotoxicos.org/1-materiais-e-informacoes-para-mobilizacao-contra-o-pacote-do-veneno/
