Por: Shirleyde Santos
Para ler ouvindo: Anunciação (Alceu Valença)
escrevo porque minha garganta,
pequena e estreita,
não suporta
palavras à beira
de serem ditas.
(…)
Nic Cardeal
Estamos vivendo um período muito complicado e difícil em nosso país. Explode o ódio por todas as partes. Como se tivesse trancado por muito tempo e, de repente, estimulado por uma representação maior, encontrasse o caminho para fora e se alastrasse de forma assustadora. E não estou exagerando. Quando paro para pensar em tudo o que vemos e ouvimos ao longo de um único dia, sinto medo. O fascismo avança a passos largos entre nós, disfarçado (?) em discursos de falso moralismo, em defesa da pátria, da família e até de Deus!
Pátria é uma palavra feminina. Nação também. Mas o seu uso é prioritariamente masculino e a sua defesa é pelos famosos “cidadãos de bem” que atropelam, arrastam pelos cabelos, agridem, violentam e matam as mulheres e assediam meninas quando “pinta um clima”. Homens e mulheres observam e tentam explicar o inexplicável. Não dá para calar, muito menos para fazer de conta que nada está acontecendo. Essa pátria não me pertence, nem me representa.
Família também é uma palavra feminina. Embora, nessa pátria, defendida a socos e tiros, ter filha mulher seja considerado uma “fraquejada”. De qual família falam? Existe um modelo único? Família chefiada por mulher é menos família? Para os ditos cidadãos de bem, famílias chefiadas por homens abusadores são mais família, se ninguém denunciar e as redes sociais exibirem o look propaganda de margarina. Imagem é tudo, né? Quanto mais tradicional, mais fake, mais família! Esse modelo de família não me pertence e nem me representa.
E de qual Deus falam? Sou espírita, cristã e o Ser de Luz que me guia em nada se assemelha a esse Deus adorado pelas mesmas pessoas que idolatram e gritam a plenos pulmões: Mito!!!!, que destroem altares, que xingam, que ferem, que queimam terreiros, que não respeitam qualquer outra crença para além da sua. Esse deus, esbravejado em igrejas onde bíblias e armas são exibidas com a mesma fé, não me pertence e muito menos me representa.
É urgente falar disso tudo. Deixar registrado que a gente não concorda com esse tsunami de ódio disfarçado de patriotismo. Mesmo sabendo que só falar é quase nada. Valter Hugo Mãe, em seu A desumanização, escreveu: “Quando falo, não entrego nada. Deixo mesmamente despido quem tem frio e não encho a barriga dos que têm fome. Quando falo, o que faço é perto de não fazer nada e, no entanto, cria-nos a sensação de fazer tanto”. Porque falar é quase nada e quase tudo. Porque calar é, de alguma forma, concordar. Porque falar pode ser uma experiência libertadora. E o que a gente cala, nos fere por dentro!
Mas não vamos ficar apenas no território das palavras, né? Vamos falar e agir. E podemos começar pelas urnas, devolvendo ao nosso país a possibilidade de sonhar com dias melhores, com mais empatia, mais amor, mais tolerância. Que a PAZ, que também é uma palavra feminina, invada nossos corações e faça um mar da revolução.
Citações:
A desumanização, de Valter Hugo Mãe.
A paz, composição de Gilberto Gil.