Por: Yane Diniz
Todas as semanas algo me atravessa como faca. Parte ao meio, faz sangrar, rouba as horas e consome o tempo produtivo. Todas as semanas me culpo por perder parte da vida estancando os buracos, alvejada de emoções, com os tiros de raspão que me acertam no cotidiano. Quisera ter um colete a prova de balas e sentimentos.
Para além disso, vou sustentando a dor dos outros. Como uma enfermeira em tempos de guerra. Socorrendo soldados que tem seus membros amputados e corações explodidos. Também vou cozinhando, nutrindo de afeto e comida, suprindo demandas domésticas e operacionalizando tarefas para que o mundo siga sem atrasos e em equilíbrio.
Entre o tempo das emoções e do cuidado alheio, entre a troca de curativos, que tempo me sobra para protagonizar este filme e ser indicada ao oscar de mulher do ano?
Na semana em que Michelle Yeoh recebe o prêmio de melhor atriz por tudo em todo lugar ao mesmo tempo e todos os ditos exaltam os 60 dessa atriz, eu – em meus pequenos dilemas e grandes crises – sob o filtro de ser mulher, penso no que ela esteve fazendo enquanto aguardava a oportunidade de ser a melhor e que outras prioridades estabeleceu em sua vida antes do agora, ou se esteve todo esse tempo se doando ao máximo e rompendo seus próprios limites profissionais (o que nunca foi suficiente).
Nesta mesma semana, longe do tapete vermelho, munida de caderno e algumas anotações, uma mulher de 44 anos voltou a estudar, talvez tentando se sentir viva, útil, produtiva ou apenas seguir suas vontades. Quanta ousadia para uma mulher. Novamente, pensamentos me devoram e criam imagens de uma figura feminina que, durante o que chamam de juventude, resolveu seguir o roteiro esperado para portadoras de vagina, e somente depois de entregue seus papéis e atuação como mãe e esposa, toma o controle de sua vida e investe em seu desejo. Aqui não pretendo falar sobre as mocinhas idiotas que debocharam da mulher estudante, o colágeno também lhes faltará um dia.
Entre uma atriz e outra, para além da cultura e da distância que nos separa, existem tantas outras de mim e de você, do que poderíamos ter sido e do que seremos. Tudo em todo lugar ao mesmo tempo e cada uma de nós – performando nosso momento em modo automático e seguindo roteiros com falas prontas, ou conscientes da direção de nossas vidas – caminhando na estrada de tijolos amarelos com sapatos de rubi, enfrentando leões covardes todos os dias, homens de lata sem coração e espantalhos sem cérebro, neste mundo mágico em que Dorothy levada pelo furacão deverá ser sempre jovem e a casa cai sobre nós todos os dias, enquanto nossa história se torna eterna e repetitiva.