Saúde para quem?

Por: Shirleyde Santos

Para ler ouvindo: O pulso (Titãs)

Hepatite, escarlatina, estupidez, paralisia
Toxoplasmose, sarampo, esquizofrenia
Úlcera, trombose, coqueluche, hipocondria
Sífilis, ciúmes, asma, cleptomania
E o corpo ainda é pouco

O pulso
(Tony Belotto/Marcelo Fromer/Arnaldo Antunes)

Esse ano, o Dia Mundial da Saúde, comemorado em 07 de abril, trouxe o tema “Saúde é para todos!” e fiquei me perguntando: todos? Quem, no contexto em que vivemos, pode se dar ao luxo de afirmar que tem saúde? Não estou falando da ausência de doença, mas do conceito amplo definido pela OMS: “um estado de completo bem-estar físico, mental e social”. Na teoria, um conceito fantástico. Na prática, longe de ser acessível. No mundo, uma utopia. No Brasil, um sonho distante.

Confesso que queria escrever um texto mais esperançoso. A questão é que, mesmo saindo de um pesadelo de 6 anos, ainda vivenciamos as sequelas de um país que estava “desgovernado” e que continua doente. Em meio a uma pandemia mortal: a ciência foi negada, vacinas recusadas, hospitais invadidos, morte banalizada, dor ridicularizada, uma quantidade recorde de agrotóxicos liberados, uma nova classificação dessas substâncias publicada (o que, a meu ver, criou uma falsa ideia de segurança). Aliás, o dia 07 de abril também marcou 12 anos de luta e resistência da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida.

Como profissional da área da saúde, mulher, educadora, extensionista, pesquisadora e militante da luta contra os agrotóxicos reflito, d.i.a.r.i.a.m.e.n.t.e. sobre o que estamos fazendo para mudar essa realidade tão perversa. Digo “estamos” porque me incluo nesse questionamento. A ciência e a militância andam juntas na minha vivência. Não tenho como separar. Se estou em uma roda de amigas, nas conversas com a família, na sala de aula, em uma ação extensionista, em atividade de pesquisa ou em uma reunião com representantes de diversos setores, o meu discurso é o mesmo. Embora me sinta, muitas vezes, de mãos atadas. Vejo com tristeza como a academia se distancia do mundo real e se fecha em caixinhas onde o que interessa mesmo é publicar e ter visibilidade. É claro que não podemos generalizar. Há um número considerável de pesquisadores(as) comprometidos(as) com questões sociais e fazendo revolução nas instituições de ensino, pesquisa e extensão.

Mas quando o tema é agrotóxico, ainda há um longo caminho a ser trilhado. Por vezes, maior do que em outras áreas. Um caminho que envolve desde a mudança de hábitos individuais a uma percepção coletiva sobre tudo o que está relacionado à produção de alimentos e ao círculo vicioso que gera fome, adoecimento e dependência. É preciso deixar de culpabilizar agricultores(as) por sua exposição a substâncias que caíram de paraquedas em suas propriedades. E nem estou falando dos aviões que derramam chuva de veneno sobre plantas, bichos e gente, mas de um modelo que foi introduzido na agricultura familiar desde a Revolução Verde.

É preciso também sair do discurso do uso do EPI, como se fosse a grande solução do problema, e partir para possibilidades do não uso de agrotóxicos. Aliás, como disse Juliana Acosta (coordenação da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida) em um café da manhã promovido pelo MST para parlamentares e apoiadores da reforma agrária para debater a conjuntura econômica e política do Brasil, no último dia 11 em Brasília: “agora é o momento para avançar e consolidar o Pronara – Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos”.

E reitero: não só precisamos avançar com o Pronara mas também com uma discussão ampliada na área da saúde, sensibilizando profissionais para esta causa, já nas universidades, em sua formação. Agrotóxico intoxica, causa diversos agravos à saúde e MATA. Como dizer Saúde é para Todos, quando estamos, na verdade, “morrendo de morte igual”? E já que citei João Cabral de Melo Neto¹, ouso imaginar que, se fosse hoje, talvez seu poema tivesse um verso a mais: “morremos de morte igual, mesma morte Severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia, [e de agrotóxico morremos aos poucos todos os dias].

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¹ Morte e vida Severina – João Cabral de Melo Neto

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